domingo, 19 de outubro de 2008

Semelhanças

O cara tinha cara de lustre. Isso mesmo, cara de lustre. Eu nunca tinha visto ninguém assim. Já vi gente com cara de cavalo, de maçaneta, de cachorro, mas, de lustre, nunca. Ele era alto, careca, magro e, quando sorria, parecia uma lâmpada acesa.

Maldade? Não. Ele era feliz daquele jeito. Tinha uma esposa que era parecida com ele. Só não era careca, mas tinha um semblante parecido. Eu já tinha visto casais semelhantes, mas não como esse. Por exemplo, uma vez conheci um cara que tinha a boca torta. A boca dele não era no meio do rosto como todo mundo, era na bochecha. Anos mais tarde eu o reencontrei e ele tinha uma esposa, também com a boca no meio da bochecha. Eles podiam ficar se beijando de lado e ninguém percebia. Há suas vantagens.

Mas o homem-lustre era impressionante. Parecia refletir. Se se tratava de uma pessoa iluminada, não sei, nunca conversei com ele. Ele tomava café-da-manhã na mesma padaria que eu. O pior é que não podia ficar olhando, já pensou ele imaginar que talvez fosse um flerte casual? Jamais. Nunca. Em hipótese alguma. Toda manhã era a mesma coisa: pingado e pão com manteiga na chapa.

No fim-de-semana que eu o vi com a esposa eu quase tive um troço. Olhei incrédula. Ela era realmente a luz de sua vida. Ela tinha uma testa enorme, sem disfarces, tipo franja, coisas de mulher, e sorria com mais dentes na boca que um ser humano pudesse ter.

Passou o tempo, as coisas, como sempre, mudam, as pessoas circulam e eu nunca mais vi o tal sujeito. Um dia, na mesma padaria, alguém do meu lado pro Zé do balcão:

- E aí, Zé, cadê o Lampinha? Nunca mais vi o cara!

Boquiaberta e confusa olhei para o cara. Eu estava crente que só eu tinha reparado no homem-lustre. Mas, não, a impressão era pública e notória.

O Zé, apontando para cima disse, olha ele lá. O homem-lustre tinha se tornado realmente um lustre. O homem lustre tinha se tornado ilustre.

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