domingo, 19 de outubro de 2008

Perfeição

Ela era perfeita. Estudara no exterior durante anos. Fez faculdade fora. Depois, aprimorou o francês em um curso rápido em Paris e seguiu para Londres, onde fez um curso de pós-graduação qualquer. Talvez uma especialização em política. Falava cinco línguas fluentemente, sem sotaque: inglês, francês, espanhol, hebraico e árabe, além da sua língua materna, o português, claro.

Era também linda. Pele alvíssima, cabelos negros, longos, viçosos e brilhantes. O corpo, então, escultural. Assim que chegou ao Brasil, arrumou o emprego dos sonhos. No início era um cargo comum, mas, depois de dois meses, conseguiu posição de destaque, com um salário invejável. Ela tinha tempo para tudo. Para se dedicar integralmente ao trabalho, para cuidar da casa, para cursar aulas de dança duas vezes por semana. Dedicava-se também com devoção à família, aos pais, já que não era casada, aos amigos e à vida cultural. Mais não cabia em sua personalidade.

Um dia, se atrasara um pouco ao sair para o trabalho, logo pela manhã, e saiu de casa sem se olhar no espelho. Distraída, não percebeu que a olhavam curiosos quando desceu do carro. Entrou no trabalho e todos ficaram constrangidos e não comentaram nada. Naquele dia ela estava se sentindo especial. Livre. Estava tão absorta em si mesma, que não notou os olhares surpresos lançados sobre ela. Nem ao longo do dia no trabalho, nem no restaurante em que costumava almoçar.

Foi um espanto. Ela estava tão bem, que ninguém teve coragem de lhe dizer. Terminou o dia, ficou um pouquinho mais no trabalho. Antes de pegar o carro e voltar para casa, deu ainda uma voltinha na rua para olhar as vitrines das lojas. Entrou em um supermercado expresso, comprou alguma coisa para preparar para o jantar e se foi. Chegando em casa, colocou as coisas na cozinha, foi até o banheiro lavar as mãos. Olhou-se no espelho e admirou-se. Finalmente, depois de muito tempo, ela teve um dia normal, como se não fosse prefeita.

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