domingo, 19 de outubro de 2008

A greve dos ovos

Em um sítio muito confortável, morava Xandoca, uma galinha incrível. Bonita, simpática e mãe dedicadíssima. Suas penas eram reluzentes. Seu corpo, bem gordo, uma qualidade e tanto para sua espécie. Ótima poedeira e chocadeira de primeira.

Não tinha nenhum defeito. Os galos eram doidos por ela. Era só jogar um charme e pronto. Todos ficavam muito apaixonados. Tinha também diversas amigas. Conversavam o dia inteiro. Era um falatório danado, que só cessava na hora de dormir.

De manhã, comia quirera, e, depois, ela e as amigas corriam até as cocheiras para aproveitar a ração dos cavalos derramada no chão durante o café-da-manhã. Não havia desperdícios. Ao longo do dia, além de fazerem caminhadas, comiam bichinhos, insetos minúsculos, minhocas, sementinhas e tudo que fosse apetitoso.

Dos galos amigos de Xandoca, Polenta era o preferido. Garboso, todo branco, porte atlético, altivo, de temperamento marcante. Defendia o galinheiro como nenhum outro. Ganhara esse nome por sorte. Ele foi presente, na véspera de Natal, e, como era muito bonito, não foi para a panela, fazer companhia às polentas.

Os anos foram-se passando e as galinhas multiplicando-se. Botavam ovos maravilhosos, grandes, gemas avermelhadas, sabor acentuado, diferente dos ovos das granjas. Mas, como tudo na vida tem começo, meio e fim, elas foram ficando velhas. Foram engordando demais, começaram a ter dificuldade de locomoção. Coisas que vêm com a idade.

Xandoca, que não era boba, percebeu logo o seu fim. Experiente na arte de influenciar as mais jovens, começou a fazer um movimento de greve. Incitou todas as galinhas, desde as mais novas às mais velhas, a não botarem mais ovos. Nem unzinho sequer. Com isso, prestariam atenção em outra coisa ao invés de fazer uma bela canja com ela.

No começo ninguém percebeu muito. Depois, quando quase não havia mais ovos para serem comidos, deu-se conta da situação. Resolveram, então, dar vitaminas para as galinhas, prenderam-nas no galinheiro para terem certeza de que estavam comendo ração. Mas já era tarde. Nenhuma galinha daquele sítio, do vizinho, da cidade, do estado, do país estava botando ovos!

Ficaram alarmados! Os ovos existentes ficaram caríssimos. As donas-de-casa, desesperadas. Era o fim dos bolos, das empanadas, dos bifes à milanesa, das gemadas e de tantas guloseimas. Os quindins tinham seus dias contados, as panquecas nunca mais seriam vistas nas mesas. E os petits gateau, sucesso dos restaurantes, que levam cinco gemas de ovos na receita!

Uns afirmavam que era a troca de penas. Outros que, quando o rabo do galo cai, as galinhas não botam ovos até que o rabo do galo cresça. Alguém foi correndo até o galinheiro ver se Polenta tinha rabo: foi um choque. Polenta estava sem rabo.

Foi um tal de fazer promessa, rezar, fazer simpatia, e nada. Não havia galo algum com rabo. No sítio, na vizinhança, na cidade, no estado, no país. Os maiorais em genética e em reprodução se reuniram para saber o que estava acontecendo e como solucionar o problema. Nunca ninguém havia se deparado com esta situação. Chegaram a pensar em transplante de célula tronco, mas iria demorar anos e era impossível ficar sem ovos durante esse tempo. Seria um problema na economia.

Xandoca, que não tinha pós-graduação, não era doutorada, era simplesmente uma galinha, se divertia e guardava um segredo com ela. Aquele que os homens jamais descobririam. Nem os mais estudados. E os dias foram-se passando e os homens se desesperando. Se demorasse mais, não haveria nem galinhas não só para as canjas, mas para as coxinhas, para os fricassés, para os estrogonofes, e para muitos outros pratos deliciosos.

Xandoca, apesar de não entender muito de laticínios, estava com a faca e o queijo nas mãos. Ela sabia de sua importância, mas queria que o mundo também soubesse. Só que com uma coisa ela não contava. Com crianças chorando. Isso foi de cortar o coração. Xandoca não agüentava ver nem pintinhos, nem meninos, nem meninas chorando. Ela tinha o coração mole.

Então, depois de muito rodopiar, resolveu tomar uma atitude. Reuniu todas as galinhas e disse: Meninas, não podemos mais fazer greve. As crianças estão chorando. A maioria não queria voltar a botar ovos. Afinal, todas elas teriam o mesmo fim e isso era injusto.

Depois de muito penar, Xandoca foi convencendo uma a uma a botar ovos, só que escondido. Não precisavam botar ovos para virarem omelete. Só para virarem pintinhos. Então, disfarçadamente, uma a uma ia para o mato botar ovos em um lugar bem protegido, e voltava como se não tivesse acontecido nada.

Até que as galinhas começaram a ficar chocas. Quando as galinhas ficam chocas, tornam-se muito bravas, só que desta vez elas não estavam. Pelo contrário, estavam de ótimo humor. Estranho. Havia uma coisa diferente no ar. Até que um dia as galinhas iam para o mato e voltavam com muitos pintinhos. Mas muitos mesmo.

Foi surpresa geral. Chamaram novamente os bambambãs e nada. Não conseguiram adivinhar o que havia acontecido. Só um deles percebeu: as galinhas estavam cantando. E cantavam bem, uma melodia maravilhosa, que ele nem os outros conheciam. Estava desvendado o grande segredo de Xandoca: as galinhas agora tinham mais uma qualidade, que aprenderam com os passarinhos: a de cantar e, conseqüentemente, trazer alegria aos homens.




Patricia Gibin Villela Cytrynowicz

(total de palavras: 870)

Nenhum comentário: