domingo, 22 de novembro de 2009


Chegou Doce. A revista para quem quer curtir todas as viagens.

Se você é daquelas pessoas que gostam de estar por dentro de todas as baladas de São Paulo, esta é a sua revista: Doce, uma publicação que mostra, comenta e discute os lugares novos que estão surgindo na cidade. Espaços culturais, cafés, a intimidade de famosos e onde eles vão. Doce é um espaço alternativo para você se divertir ao máximo sem gastar muito.
Entre uma balada e outra, você vai poder ficar por dentro de muita cultura, dos bastidores da política e de histórias além da imaginação que acontecem por aqui e ninguém nunca contou. Compre já o seu exemplar. Já nas melhores bancas.

Revista doce. Uma publicação da Editora Andando e Letrando.


quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Velório

Pobre Joaquim! Já tinha tido o azar de morrer e agora precisava agüentar aquela mosca insuportável sobre seu nariz. O diabo da mosca fazia cócegas e o coitado do Joaquim não tinha como espantá-la. Morto, já no caixão, não havia meios de se mexer. Era o seu velório e se ele começasse a fazer qualquer coisa para a mosca sair de cima de seu nariz seria um espanto geral.

Mas ele pensou: “sabe quando o morto está fresquinho e passa aquela impressão de que ainda está respirando?” Ele poderia aproveitar esta deixa e tirar aquele bicho nojento dali. Talvez um último suspiro. Quem sabe ninguém notasse. Nem Mariazinha, sua esposa, debruçada naquele corpo rijo e gelado, pranteando e ebulindo, conseguia perceber o incômodo de Joaquim. Nem em seu último adeus, Mariazinha não olhou para Joaquim. Só se preocupava com sua dor.

Ah, Mariazinha, Mariazinha! Quanto sofrimento por nada! Você ainda tem a vida e eu, aqui, morto, te olhando de olhos fechados, suportando esse seu peso sobre mim, me banhando em lágrimas, nem sequer pensa em fazer uma última caridade e tirar essa droga dessa mosca do meu nariz. Ah, Mariazinha, bem que eu gostaria de te pegar de jeito e te dar um susto daqueles. Mas agora já é tarde. Assim que você sair daí vão me fechar aqui dentro. Com ou sem mosca.

Mariazinha, lembra no dia em que nos conhecemos? Era uma tarde quente de verão, durante a quermesse da cidade. Já no fim da festa, depois de flertar com você quase que o tempo todo, você me deu uma colher de chá e me deixou te acompanhar até o portão da sua casa. Bendito seja este dia! O padre logo abençoou nosso encontro e agora estamos aqui. Eu mortinho e você vivinha.

O padre chegou rápido para a extrema-unção. Mariazinha se recompôs por um momento, o padre começou a rezar e o pobre Joaquim deu seu último suspiro aliviado. A mosca, espantando-se, foi embora. E o caixão, fechado.

sábado, 17 de outubro de 2009

Quando eu era criança

Quando eu era criança, eu achava que chorar era coisa de criança. Eu achava que adulto nunca chorava, porque eu nunca via adulto chorando. Adulto nunca chora quando cai. Adulto nunca chora quando apanha do irmão mais velho. Adulto nunca chora quando o menino que você gosta gosta de outra menina. Adulto nunca chora quando tem medo. Adulto nunca chora quando chove forte. Adulto nunca chora quando fica doente. Adulto nunca chora quando sente saudade. Adulto nunca chora quando alguém vai embora.

Quando eu era criança, eu pensava: quando eu parar de chorar vou ser adulta. Um dia eu me tornei adulta e descobri: adulto nunca esquece daquela criança que queria ser adulta e nunca cresceu.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Palavra

Espada afiada, certeira.
Se não mata deixa cicatriz profunda.
Exata.
Fim súbito da respiração.
Do coração.
Corpo gelado.
Morte cortante. Pontual.

Patricia Cytrynowicz

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Marido de aluguel

Quem vive em São Paulo ou, por azar, estava de passagem, não vai esquecer aquela terça-feira dramática de chuva. Eu estava na avenida Faria Lima mais ou menos umas três e meia da tarde durante uma trégua da chuva. O trânsito caótico, tudo absolutamente travado e eu, como todos, bastante cheia daquele anda e para e para e para.

Não tinha nada para fazer, além de esperar. Sinal abre e fecha e nada de sair do lugar. Um ônibus corta pela direita, outro pela esquerda, mão na buzina, cruzamento com a Rebouças fechado. Lindo!

Morrendo de sono, porque este quadro já é monótono na cidade, leio em um furgãozinho branco, um pouco à minha frente, em letras vermelhas o seguinte dizer: Marido de aluguel. Interessante. Que será isso? Faço de tudo para chegar mais perto do bendito furgão. Dou uma de ônibus fominha, não dou passagem, faço aquelas aberrações no trânsito só para tentar ver do que se tratava Marido de Aluguel. Finalmente vi dois telefones. Liguei para o celular. O próprio motorista que atende:

- Alô?
- Alô, respondi, meio sem graça. Eu tô aqui no trânsito, sem fazer nada, até que vi seu carro... o que é Marido de Aluguel?
- Se o seu marido anda um pouco desatento, não dá conta das obrigações de casa, não escuta as suas reclamações, não dá bola pra senhora, pode ligar pra gente.
- E vocês fazem o quê?
- Bom, consertamos o seu varal, damos um jeito na descarga, arrumamos a fiação, desentupimos o cano, apertamos os parafusos, colocamos pregos...
- Ah! entendi. Obrigada, moço, mas em casa meu marido dá conta de tudo, viu, tudinho.

Desliguei e não guardei o número do telefone, mas deve ser fácil encontrar um marido de aluguel na Internet. Morri de rir e contei para o meu marido quando cheguei em casa. No começo ele me olhou um pouco assustado e desconfiado (mulher minha não fica telefonando pra qualquer homem na rua) e depois pediu o telefone dele. Pois é, se não fazem mais maridos como antigamente, é melhor alugar um.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Entre a vida e a morte

As pessoas normalmente têm uma morbidez que não é exatamente uma morbidez. É mais uma curiosidade. Quem nunca foi ao cemitério e ficou fazendo conta para saber com quantos anos morreu este ou aquele? Quem nunca ficou olhando aquelas fotos em túmulos para ver como era a cara daquele que foi ao encontro da paz eterna? E as inscrições, tão interessantes!

Não bastasse isso, o exercício é diário em casa, ao ler o jornal, o necrólogo. Os nomes antigos são imperdíveis: Otilla Helena, Clotilde, Irmã Estella. Puxa, as freiras também morrem! E assim vão. Uns jovens, outros velhos, algumas crianças. Todos impressionam. Diariamente eles estão por aí, para avisar que um dia será você, eu, nós, leitores.

Hoje achei uma pérola: Deusdede Nunes do Nascimento. Aos 83 anos, era solteiro. Deixa nove filhos. O enterro realizou-se no Cemitério Jardim Parque dos Ipês. O endereço é importante, porque se alguém quiser confirmar, pode ir lá, no horário normal de funcionamento de cemitério. O sr. Deusdede não vai sair.

Solteiro e nove filhos. Será de o sr. Deusdede teve estes nove filhos com a mesma mulher? Com várias, com nove? E manteve-se fiel à convicção de ser solteiro, como muitos e muitas. Bom, alguém gostava dele, pois colocou o anúncio de jornal. Será que foi um dos filhos, das amantes? Pode ter sido um irmão, uma irmã.

Outro dia eu fui ao enterro de minha tia avó. A Tia Zezé. Morreu aos 102 anos e 11 meses. Provavelmente esta notícia também chamou a atenção de alguém, assim como a do sr. Deusdede atraiu a minha. Minha tia era viúva, como era de se esperar. Velhinha, cabelinho branco, mas no seu aniversário de 100 anos pediu uma bela feijoada, completa, para comemorar. A família toda esteve presente. Ela reconheceu a todos. Lúcida. Discutia até essa pouca-vergonha do Sarney, brigava porque a novela era uma porcaria. Morreu de velhice, não de doença.

Um dia meu nome também estará lá. Patricia Gibin Villela Cytrynowicz. Será que estarei inscrita no livro da vida e não só na lápide gelada? Quem fará a conta por mim? Será que terei alguma curiosidade para chamar a atenção. Vai saber. Bom, como dizia meu sogro na hora do brinde, até 120!

sábado, 27 de junho de 2009

Chapeuzinho Vermelho?

A menina desta história era conhecida como Chapeuzinho Vermelho. Aquela que era boazinha e usava um chapéu vermelho feito por sua avozinha, que por sua vez morava na floresta. Naquela época, Chapeuzinho Vermelho levava vinho e bolo para a sua amada avozinha até sua casa. Um dia Chapeuzinho Vermelho encontrou o lobo mau e tudo mudou em sua vida.

Passou algum tempo, a floresta que parecia ser encantada foi desmatada para fazerem ruas e avenidas. Mesmo mudando bastante a paisagem, Chapeuzinho Vermelho estava cansada de fazer o mesmo percurso havia anos. De ônibus, metrô ou carona, Chapeuzinho Vermelho não aguentava mais visitar sua avozinha, que agora estava com uma doença incurável que fazia com que não lembrasse mais de sua querida netinha.

Antes de mais uma visita à sua amada avozinha, suspirando desanimada em frente ao espelho, Chapeuzinho Vermelho olhou para sua cabeça e pensou: Não vou mais usar este chapeuzinho vermelho ridículo. Ao invés de visitar a avozinha querida, a menina mudou seu rumo e entrou em uma loja e amou tudo o que viu: fitas, fivelas, tiaras, elásticos e enfeites de todas as cores para pôr nos cabelos. A menina pulou de alegria e teve vontade de comprar tudo. Havia séculos que ela usava aquele chapéu ridículo e ela nem sabia mais que o chapéu podia ser tirado de sua cabeça.

Saindo da loja, com um pacotinho na mão com todas as coisas bonitas para enfeitar seu cabelo que havia comprado, a menina voltou para casa feliz e contente. No caminho que estava acostumada a fazer, a menina cumprimentava o dono da quitanda em que sempre comprava verduras para sua mãezinha querida – oi, seu João – e seu João não respondeu. Estranhando, a menina não ligou muito e seguiu em frente.

Em cada lugar que a menina passava e parava para conversar, ninguém dava bola para ela. Até que finalmente chegou em casa, louca para experimentar tudo o que havia comprado. Olhando-se no espelho, nem a menina se reconheceu sem o chapeuzinho vermelho. Foi aí que ela percebeu porque ninguém havia conversado com ela na rua. A menina ficou muito triste porque além de ter perdido todos os amigos, notou que nem nome tinha. A menina entendeu que sem o chapeuzinho vermelho não era ninguém.

A menina começou a chorar e a chorar de tanto desespero. Muito desanimada, sem pensar no que fazia, num gesto automático, começou a colocar no cabelo as coisas para enfeitar o cabelo que tinha comprado na loja. A menina começou a se sentir tão bonita que, pouco a pouco, começou a esquecer aquela tristeza tão triste e começou a sorrir. Cada vez mais a menina ficou mais feliz e, de uma hora para outra, resolveu mudar de vida. Já que ninguém mais a conhecia, pegou suas coisas, saiu e nunca mais voltou. E Chapeuzinho Vermelho foi embora para sempre.

sábado, 20 de junho de 2009

Roque

Roque era um menino parecido com os outros meninos, mas não era igual aos outros meninos. Roque tinha cabelos compridos compridos. Mas não eram compridos até a cintura. Os cabelos de Roque eram compridos para cima e para os lados. Às vezes Roque ficava um tempão sem cortar os cabelos e os cabelos de Roque encostavam no teto e nas paredes.

Roque adorava escutar música. Roque ouvia música o tempo todo. Quando acordava e quando dormia.

Roque ia para a escola. E quando Roque ia para a escola com seus cabelos compridos compridos, escondia um fone de ouvido no meio de seus cabelos e escutava música na escola, porque era proibido escutar música durante as aulas.

Roque não estava nem aí para estas regras. Para ele só interessava escutar música. Música, música, música. Música o tempo todo. E o tempo foi passando e Roque só escutava música.

Enquanto todos os outros meninos e meninas brincavam e estudavam, Roque só escutava música. Roque tinha um motivo para escutar música o tempo todo.

Através da música, Roque podia ir para onde quisesse. Podia ir para a China, para o Japão, para os Estados Unidos, para todos os lugares do mundo!

Um dia, Roque foi para uma floresta. Esta floresta ficava em uma ilha muito longe de sua casa e de sua escola. Quando Roque chegou a esta ilha, começou a explorar o lugar. Andou e andou, sempre com seu fone de ouvido, escutando música.

Encontrou uma aldeia com índios. Eram índios que falavam uma língua estranha e se vestiam de maneira diferente dos índios que ele tinha visto na escola. Ninguém da aldeia percebeu que Roque estava ali. Todo mundo continuou a fazer o que estava fazendo: as mulheres buscavam água em um rio, outras continuavam sentadas conversando, os cachorros que andavam à toa, não farejaram Roque.

Roque achou isso divertido. Mudou a música que estava escutando. Fechou os olhos e logo estava em outro lugar. Era um deserto. Deu de cara com um leão. Roque saiu correndo, de tão assustado que ficou, mas o leão não parecia se incomodar com Roque. Isso era muito engraçado. Roque podia fazer o que quisesse, que ninguém percebia que estava lá.

Roque mudou de música novamente, fechou os olhos e pronto. Logo estava em outro lugar. Roque estava no meio de um baile, com umas mulheres esquisitas, rodopiando de um jeito que ele nunca tinha visto. Suas roupas eram vestidos longos cheios de rendas e fitas esvoaçantes.

Lá de longe, entre as notas musicais, Roque ouviu uma voz: - Roque, Roque... Era como se aquela voz estivesse chamando por ele. Roque abriu os olhos e viu um garoto muito parecido com ele na sua frente. Era Ludovico. Um menino parecido com ele, só que em vez de cabelos compridos até o teto e até as paredes, tinha cabelos compridos quase até o chão. Ludovico também tinha um fone de ouvido escondido no meio dos cabelos.

- Oi, disse Roque.

- Oi, disse Ludovico. – Trouxe uma música nova para você escutar.

Ludovico emprestou um dos fones de ouvido para Roque. Os dois meninos fecharam os olhos e foram para longe da escola novamente. Foi quando que eu os conheci.