quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Marido de aluguel

Quem vive em São Paulo ou, por azar, estava de passagem, não vai esquecer aquela terça-feira dramática de chuva. Eu estava na avenida Faria Lima mais ou menos umas três e meia da tarde durante uma trégua da chuva. O trânsito caótico, tudo absolutamente travado e eu, como todos, bastante cheia daquele anda e para e para e para.

Não tinha nada para fazer, além de esperar. Sinal abre e fecha e nada de sair do lugar. Um ônibus corta pela direita, outro pela esquerda, mão na buzina, cruzamento com a Rebouças fechado. Lindo!

Morrendo de sono, porque este quadro já é monótono na cidade, leio em um furgãozinho branco, um pouco à minha frente, em letras vermelhas o seguinte dizer: Marido de aluguel. Interessante. Que será isso? Faço de tudo para chegar mais perto do bendito furgão. Dou uma de ônibus fominha, não dou passagem, faço aquelas aberrações no trânsito só para tentar ver do que se tratava Marido de Aluguel. Finalmente vi dois telefones. Liguei para o celular. O próprio motorista que atende:

- Alô?
- Alô, respondi, meio sem graça. Eu tô aqui no trânsito, sem fazer nada, até que vi seu carro... o que é Marido de Aluguel?
- Se o seu marido anda um pouco desatento, não dá conta das obrigações de casa, não escuta as suas reclamações, não dá bola pra senhora, pode ligar pra gente.
- E vocês fazem o quê?
- Bom, consertamos o seu varal, damos um jeito na descarga, arrumamos a fiação, desentupimos o cano, apertamos os parafusos, colocamos pregos...
- Ah! entendi. Obrigada, moço, mas em casa meu marido dá conta de tudo, viu, tudinho.

Desliguei e não guardei o número do telefone, mas deve ser fácil encontrar um marido de aluguel na Internet. Morri de rir e contei para o meu marido quando cheguei em casa. No começo ele me olhou um pouco assustado e desconfiado (mulher minha não fica telefonando pra qualquer homem na rua) e depois pediu o telefone dele. Pois é, se não fazem mais maridos como antigamente, é melhor alugar um.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Entre a vida e a morte

As pessoas normalmente têm uma morbidez que não é exatamente uma morbidez. É mais uma curiosidade. Quem nunca foi ao cemitério e ficou fazendo conta para saber com quantos anos morreu este ou aquele? Quem nunca ficou olhando aquelas fotos em túmulos para ver como era a cara daquele que foi ao encontro da paz eterna? E as inscrições, tão interessantes!

Não bastasse isso, o exercício é diário em casa, ao ler o jornal, o necrólogo. Os nomes antigos são imperdíveis: Otilla Helena, Clotilde, Irmã Estella. Puxa, as freiras também morrem! E assim vão. Uns jovens, outros velhos, algumas crianças. Todos impressionam. Diariamente eles estão por aí, para avisar que um dia será você, eu, nós, leitores.

Hoje achei uma pérola: Deusdede Nunes do Nascimento. Aos 83 anos, era solteiro. Deixa nove filhos. O enterro realizou-se no Cemitério Jardim Parque dos Ipês. O endereço é importante, porque se alguém quiser confirmar, pode ir lá, no horário normal de funcionamento de cemitério. O sr. Deusdede não vai sair.

Solteiro e nove filhos. Será de o sr. Deusdede teve estes nove filhos com a mesma mulher? Com várias, com nove? E manteve-se fiel à convicção de ser solteiro, como muitos e muitas. Bom, alguém gostava dele, pois colocou o anúncio de jornal. Será que foi um dos filhos, das amantes? Pode ter sido um irmão, uma irmã.

Outro dia eu fui ao enterro de minha tia avó. A Tia Zezé. Morreu aos 102 anos e 11 meses. Provavelmente esta notícia também chamou a atenção de alguém, assim como a do sr. Deusdede atraiu a minha. Minha tia era viúva, como era de se esperar. Velhinha, cabelinho branco, mas no seu aniversário de 100 anos pediu uma bela feijoada, completa, para comemorar. A família toda esteve presente. Ela reconheceu a todos. Lúcida. Discutia até essa pouca-vergonha do Sarney, brigava porque a novela era uma porcaria. Morreu de velhice, não de doença.

Um dia meu nome também estará lá. Patricia Gibin Villela Cytrynowicz. Será que estarei inscrita no livro da vida e não só na lápide gelada? Quem fará a conta por mim? Será que terei alguma curiosidade para chamar a atenção. Vai saber. Bom, como dizia meu sogro na hora do brinde, até 120!