domingo, 19 de outubro de 2008

Fixação

Tudo ela limpava e arrumava. Os móveis, a cozinha, os livros, os azulejos, as panelas, a mesa de trabalho, o computador. Tudo o que estava ao seu alcance. A única coisa que ela não conseguia arrumar era ela mesma.

Cada livro que ela lia, quando terminava, era como se aquele exemplar nunca tivesse sido aberto. Em compensação, ela se sentia como se tivesse sido revirada e explorada. Cada roupa que ela guardava no armário estava impecavelmente passada e dobrada. Para contrabalançar, ela se vestia como se tivesse acabado de levar uma surra.

Cada prato que ela colocava no armário era como se estivesse em exposição em uma loja. Para esconder a vontade que ela tinha de se trancar e nunca mais ser vista. Cada azulejo que ela limpava era como se ela estivesse lapidando uma jóia. Para esconder a própria sujeira.

Cada cantinho da sua mesa de trabalho que ela organizava era como se estivesse preparando uma mesa de um jantar de gala. Para disfarçar sua incompreensão dos fatos. Cada panela que ela lavava e guardava era como se ela estivesse colocando uma flor raríssima em um vaso. Para esconder a sua falta de apetite com a vida.

Tudo em sua casa era impecável. Menos sua vida. Muito pelo contrário. Um dia ela se encheu. Deu todos os livros, roupas, vendeu o pouco que tinha e não se deu ao trabalho de pedir demissão. Sumiu. Foi encontrar-se. E viveu feliz para sempre.

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