domingo, 19 de outubro de 2008

Anjo

Sua força era o ódio. Seus olhos gotejavam maldade. Destilavam desprezo. O amor era banalidade em sua vida. Ela menosprezava os que mendigavam por sua atenção. Era este o seu divertimento. Não havia nada de verdadeiro naquela alma. Melhor, quase nada. A única coisa verdadeira nela era a falsidade e o ódio.

Ela se divertia manipulando, usando e dilacerando pessoas. O som de sua risada era sarcástico. Olhar penetrante. Frio. Calculista. Firme. Tinha uma percepção afinada e refinada. Bons modos, educada. Mas seus sentimentos eram podres. Não sossegava enquanto não envenenasse àqueles que caíam em seus domínios. Pérfida.

E ela encantava porque era magnífica. Tinha rosto de anjo. Parecia meiga, suave, plácida, até. Podia vestir este disfarce por anos. Mas seu íntimo era tão desprezível, que esperaria a vida toda para se satisfazer brincando sutilmente com os sentimentos alheios.

Ela não admitia concorrência. Não havia concorrência para ela. Desde sempre. Desde que nascera. Linda. E perigosa. E cativante. Era tão manipuladora, que nem sua mãe a conhecia. Muito menos seu pai. Ela cegava as pessoas. Encantava. Ela crescera tão linda que seu ódio tornava-se puro, belo, nobre. Era capaz de fazer caridade, de ouvir as pessoas, até de ajudá-las. Todos acreditavam nela.

Mas sua beleza e astúcia não a salvaram da morte. Uma morte sangrenta, fria, merecida. Não sobrou nada dela. Os cães que vagavam nas ruas comeram seus restos. Como ninguém a viu morta, disseram que foi arrebatada para os céus. Virou santa. Virou anjo.

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