domingo, 19 de outubro de 2008

O Escritor

Era uma manhã aparentemente comum, a não ser pelo fato de ele ter acordado sem voz. No início ele nem se importou, achando que fosse falar assim que o sol esquentasse. Lá pelas oito, nove horas da manhã, ele continuava mudo. Nem um sussurro saía de sua garganta.

Começou a ficar preocupado. Como iria pedir a média na padaria? Por mímica, provavelmente. Vá lá, conversar por sinais não é tão grave, pensou. Absorto em justificativas para seu estado, só percebeu que o telefone estava tocando, quando olhou para o lado e viu uma luz ensandecia vinda de seu celular. Estava surdo também.

Nem para o médico ele podia telefonar. Será que seu cérebro tinha se esquecido das palavras? Das letras? Mas, se ele conseguia pensar, as letras, as palavras, as frases, orações, ainda estavam em sua memória. Imediatamente pegou um pedaço de papel e uma caneta e pôs-se a escrever. Percebeu que as palavras lhe saíam mais fáceis do que o usual. Era quase um ato involuntário.

Ele nunca tinha sido muito bom nisso, mas, de repente, o ato de escrever tornara-se suave, natural. Era como respirar. Passou a escrever tudo o que pensava. O que iria comer, o que iria assistir, ler, e assim por diante. Passou horas daquele jeito, escrevendo. Nem se deu conta do dia que já tinha passado.

Não foi ao trabalho, não foi ao boteco, não foi a lugar algum. Depois de um dia inteiro e parte da noite escrevendo, releu seu texto e percebeu que havia estado em muitos lugares, vivido muitas aventuras, conhecido várias pessoas. Ainda pasmado com o que estava acontecendo, toca novamente o telefone. Atendeu automaticamente, disse alô, esperou um pouco e respondeu que havia sido engano. Nascia um escritor, atormentado pela ausência de si mesmo e agora se encontrado.

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