terça-feira, 11 de novembro de 2008

A psicóloga roubada.

Eu não sei como nos descobriram, mas ficamos conhecidos depois da publicação do livro A Criança Roubada, de Keith Donahue. Desde então, precisamos ser mais cuidadosos ao roubar almas. Vivo de floresta em floresta há pouco mais de um século e já estou farta disso. Mesmo tendo a sorte de morar em um país tropical, com florestas quentes e diversificadas. Cansei tanto, que resolvi ficar um tempo na cidade. Escolhi São Paulo e me abriguei no Parque da Água Branca.

Achei a cidade muito louca e percebi que tinha de fazer terapia para enfrentar, depois de tanto tempo, um mundo tão estressante. Precisava roubar uma alma para renascer e resolvi seduzir uma psicóloga. Encontrei uma com consultório na Vila Madalena, um pouco distante de minha então recente moradia. Comecei a estudá-la para poder entrar em ação. Um dia, enquanto eu a observava mais uma vez, foi brutalmente assassinada. Fiquei sem fôlego, tremendo, mas eu não podia mais me desviar de meu objetivo.

Quase desisti, pois percebi que ser psicólogo pode ser perigoso. Crimes, loucuras, delírios. Desabafos e reflexões no divã... não sei se eu agüentaria isso. Mas, como conhecia mais ou menos a rotina de um psicólogo, achei por bem continuar nesta jornada. Como só posso sair à noite, porque minha aparência assustaria qualquer ser humano, fui dar um rolê no centro da cidade.

Certa noite, em plena Gabriel dos Santos, vejo um grupo de pessoas em frente a uma casinha amarela. Aproximei-me sorrateiramente para sacar qual era a desse grupo. Para a minha surpresa, deparei-me com o grande portal. Tinha de atravessá-lo. A minha vítima estava lá dentro. Uma psicóloga dando sopa! Descobri que era uma escola e, aquelas pessoas, alunas de um curso de formação de escritores. Que bom que alguma coisa ainda é como antigamente, pessoas querendo escrever. A chance era única!

Eu tinha de pegar a psicóloga sozinha. Apenas assim conseguiria roubar sua alma sem que se percebesse. Segui-a por muitos dias. Ela era cuidadosa, mas nem tanto. Às vezes ela ficava sonhando com seus enormes olhos abertos. Seria aí que eu roubaria sua alma. Num sonho. Precisando escrever, ela se entregou aos devaneios. Foi aí que entrei em ação. Quando apareço em sonhos, posso assumir qualquer forma. Tornei-me um anão e, para minha surpresa, ela também estava roubando uma alma através da voz de alguém. Mas fui mais rápida. Tornei-me ela antes que ela se tornasse aquela voz.

7 comentários:

Retrix disse...

Que alegria.
Então estou salvo? Adorei!!!
Um viva à minha redentora!

Claudia disse...

Olha eu de personagem. Que delícia. Amei. No fim da história até fiquei angustiada. Dá para devolver minha alma, por favor.
Um beijão.

Pati Cytrynowicz disse...

Caro Renato, eu não sei se sua alma está a salvo. Se o ser da minha história roubou a alma da "psicóloga", que por sua vez estava roubando a sua alm, o ser da minha história pode ter roubado a sua alma e não a dela. Se cuida...

Pati Cytrynowicz disse...

Cara Claudia,

Alma roubada é alma perdida. Sinto muito.

Nanete Neves disse...

Ai, que viagem....rs das florestas abissais prá Vila Madá e de lá prá Hgienópolis tudo por uma alminha (ou duas?)...No melhor estilo Casas Bahia, pegue dois/pague um...rsrs

Pati Cytrynowicz disse...

Nanete, você é uma figura! Beijos.

Sady Folch disse...

Pati, saudades de nossos encontros literários.

Revendo as páginas dos amigos, amei ler este texto.

Um grande beijo

Sady